29.3.07

A EXISTÊNCIA

O mundo, repentinamente, parece se lançar sobre mim como um cão raivoso. Os postes, como guardas discretos a me observar, enfileirados em sua onipotência ereta. A calçada calcula meus passos. As árvores registram meu pensar através da leitura molecular da minha respiração. Até a fumaça do meu cachimbo redemoinha em torno do meu rosto tentando me sufocar. Traidora miserável que tenho por companhia inseparável.
As pessoas passam depressa. Estariam fugindo de mim? Mas não sou eu o monstro, seus desgraçados! Quero sair daqui, mas minha razão está inerte. A poesia me prende no mesmo lugar e os significados emudecem minha voz.
O cão vira-latas é o único que demonstra compreensão. Talvez porque se sinta a minha altura. E minha altura já se sente e se senta no chão. O caminhar cessa e agora rastejo. A força dos braços é menos resistente que a folha apodrecendo na sarjeta. Rolo sobre as pedras e esbarro na folha seca. Tento retirar dela os vermes e trazê-los perto de mim para que me consumam com maior rapidez. Até mesmo estes me ignoram.
O mundo é mal. A maldade está corrompendo as estrelas e a noite é coberta de cinza. A dor já retrai meus músculos e os espinhos entranham minha epiderme. O texto foge dos meus livros e as páginas ficam amarelas na medida em que as folheio. A vida fica insossa, inodora e incolor.
Com sofreguidão ergo as míseras pálpebras pesadas e vejo os pés da Morte montando guarda. Morfeu ri e se afasta. Grito! E o grito se perde antes mesmo de tocar os lábios. No último e desesperado esforço caio além do chão em que me encontro. A terra se abre numa fenda minúscula e nela desapareço imperceptível ao mundo que fica.

O DIA E A NOITE


O dia,
cansado de viver,
transformou-se em noite.
A noite,
cansada de morrer,
deu à luz o dia lambuzado de esperança.

8.3.07

AMADA

Amada.

Por que, mulher amada,
Tão ingrata és?
Matas,
Tua ingratidão mulher.

Homem algum pode te amar tanto.
Cega, não vê tão grande amor.
Olhos em pranto,
Sofro encantos e sofro dor.

A quero nos braços meus,
Dias e noites sem fim.
Não me deixe, rogo a Deus,
Não mereço penar assim.

Tanta dor,
Por não estar junto a ti.
se morto me encontrares amor,
Por que te amo é que morri.


Saudades

Todos os bares,
Todos os lugares,
Todos os sentidos
Eu procurei.
Não encontro vestígios
Da mulher que amei.
Por onde andarás,
Quem estarás amando
Sem normas nem lei?
Amor libertino
Quero novamente sentir,
Sou menino,
Após o prazer me aninho,
Em teu colo dormir...

MULHER

Mulher...

A mais bela orquídea,
Aurora da manhã.
Doce mel silvestre,
Cantar do rouxinol.

Lírio do campo,
Mistério do amor.
Crepitar das chamas.
Exemplo de quem ama.

Águas cristalinas.
Pétalas de flor.
Pássaro que canta o amanhecer,
Pôr do sol ao entardecer.

Resplandecente, meiga e amável.
Obra de Deus.
Acolhedora e compreensiva,
Mulher forte, decisiva.
Início de minha vida.
Fim de minha dor.
Bravio e protetora.
Mulher salvadora.
Todas as flores unidas.
Maravilha da vida.
É mãe...
E nada faz sentido sem você.

O POETA E A MULHER, ou A POESIA E O AMOR


O que pensam os poetas, das mulheres?
Nada.
Simplesmente as amam de corpo e alma.
A única racionalização do amor é esta
E nada se pensa além disso.
O amor vive-se no olhar, no desejo, no gozo...
Por isso os poetas não “disputam”, mulheres.
Ou o amor é possível,
E se realiza;
Ou que procure seu par.
O poeta apenas sabe estar ali, onde o amor está.
Se ambos estiverem a fim um do outro,
E isto se percebe no olhar,
Sorriem e se encontram
Sob o testemunho do solitário luar.
Caso contrário,
Também sorriem;
Mas parte cada um para seu viver;
Sós, sem esperar ou insistir,
Sabem que viverão felizes,
Mesmo não estando pertos.
Sabem que no momento certo

O puramente simples irá surgir:
O olhar, o desejo, o gozo
.