29.9.08

O espaço do meu Deus.


Sou um pedaço de meu próprio Deus
Que, para ser Deus, deve ser sempre maior que eu.
Sou o braço de todo meu alcance
Que sempre está no limite do meu infinito.
Vivo. Morro. Padeço.
Nasci e cresço
Dentro daquilo que me é possível ser.
Sou tudo aquilo que desejo
Mesmo sem desejar o que às vezes sou.
Ouço para além dos meus ouvidos.
Falo menos do que meus lábios mexem.
Mexo em tudo que me aguça à curiosidade.
Meu Deus sou eu, minha dor sem limites
E todos os espaço da liberdade.

23.9.08

TUCANOS, AMEIXAS E DEMOCRACIA


Quantos de vocês moram numa cidade grande e conseguem passar a manhã observando tucanos comerem ameixas na frente de casa? Posso imaginar a maioria das respostas: Moro em apartamento. Não existem árvores na frente da minha casa. Tucanos? Só no zoológico da universidade. O máximo que vejo são pardais. Algumas gerações de adolescentes são capazes de nunca terem visto um tucano livre e solto saboreando ameixas.
Vejo essa cena várias vezes e tem mais: lagartos comendo com meu cachorro no pátio, gralhas aqui e acolá, e outras espécies, tudo ali, no pátio da minha simples casa. Vão e voltam quando querem, não temem minha possível ação predatória.
Dias atrás minha sobrinha perguntou: "Tio, por que não o prende na gaiola?" Respondi: Porque eles não nasceram em gaiolas como nós. Percebem isso? Os apartamentos são gaiolas amontoadas com os mais suspeitos moradores. Casas sem árvores no pátio: - Uma gaiola que caiu do monte. Zoológico? - Ideia nostálgica da ignorância predatória. Pardais? - Uns passarinhos sem graça, cinzas como a poluição da cidade e que já esqueceram o que é uma sinfonia canora. Adolescentes? - Sinceramente, salva exceções, prefiro observar os tucanos e os lagartos.
Gosto da cidade, das criações tecnológicas e as regalias que me permite desfrutar. Mas penso que exageramos um pouco nisso tudo e esquecemos as coisas simples da vida. Quando se esquece o que é simples, tudo vira complexo. As relações se esgotam num amontoado de regras que a "sociedade" criou e que devo aceitar. Por favor, se alguém encontrar essa tal "sociedade" diga que a espero para um café e que precisamos conversar, pois discordo em gênero, número e grau da maioria das regras que "ela" criou. Se a resposta for: "- A sociedade somos nós". Então nós criamos as regras, logo podemos mudá-las, consequentemente não preciso seguir regra alguma apenas pelo motivo de vários acéfalos a terem seguido anos e anos sem questioná-las.

Conheço milhares de vermes com dois neurônios reproduzindo discursos chinfrins sobre "as coisas sempre foram assim", mas está louco pra que alguém (com mais coragem e inteligência) mude algo e ele possa aproveitar. "- O mundo está perdido!", exclama, mas procura se encontrar num monte de livros medíocres de auto-ajuda ou alguma nova onda de acrobacias metafísicas sobre como relaxar um pouco o pesado fardo da vida moderna. " - Quem não tem dinheiro pra viver é porque é vagabundo mesmo", afirma o “pseudo crítico” que fala isso sem ter a menor ideia do que significa capitalismo, economia, exclusão social e política. "- Não me envolvo em política." Reitera o bufão, se ao menos entendesse Aristóteles, saberia que "o homem é um animal político por natureza". Aquele que não sabe viver na sociedade usando a linguagem para descobrir e agir conforme aquilo que é bom, belo e justo ou é um deus ou um demônio. Continuo procurando a bendita "sociedade", pois todos os dias encontro milhares de deuses e demônios sem nenhuma capacidade de linguagem.
Passo na rua e as coisas da rua passam por mim. Época de eleições, a rua está minada de pessoas balançando bandeiras. Vejo aquilo e fico feliz: Viva a liberdade democrática. Paro e pergunto a um indivíduo gritando enlouquecido o nome do seu candidato: "O que é democracia?" Responde que "é o direito de votar em qualquer um". Saio de cena sem nenhuma felicidade, deixo aquele ser que se move sobre a terra saracoteando sua bandeirola e a certeza de que o governo será mesmo de qualquer um, mesmo que seja um deus ou um demônio.
Volto pra casa, cansado, pesado, nauseado. Tiro os sapatos e piso a grama verde e úmida, ascendo meu cachimbo, olho a ameixeira e lá está o pássaro, colorido e majestoso bem diferente da coisa fria política que vi estampada numa bandeira na praça. Aos poucos a terra leva meus males do mundo urbano e mesmo dentro de toda essa urbanidade encontro um pouco de silêncio gritante conversando com minha simplória reflexão.
Ao menos vou morrer depois de ter visto um tucano livre comendo ameixas e espero morrer bem antes que eles fiquem cinza como os pardais e sem linguagem como o humano que me explicou o que é democracia.

9.9.08

SIGNIFICADOS


Significados


Tenho aqui um bom vinho.
Várias garrafas.
Comprei mais cigarros,
Café forte e um livro.
Estou bem?
Não sei. Sinto a alma
Grande demais para meu corpo.
"In vino veritas"
Na fumaça a oferenda aos deuses;
Café para acelerar a taquicardia.
O livro?
Ah! Nele milhões de palavrinhas
À espera do meu significado.

Sidinei Cruz Sobrinho
Passo Fundo, 10 de setembro de 2008.