26.11.09

A VISITA


Toc! Toc! Alguém bateu na porta.

Soltei o cigarro sobre o cinzeiro com calma. Levantei da cadeira com a preguiça de um jabuti. Fui atender com o ânimo de uma lagarta. Praticamente me arrastando pelos poucos metros que me separavam da entrada.

- “Olá.” – Disse-me ela com a voz quase calada.

- Boa noite – Respondi na mesma sintonia.

- “Vim buscar companhia. Aqui fora está muito frio.”

- Entre. Quer um cigarro?

- Sim e uma dose daquele Wisky barato. Já ficamos juntos quando você bebia com mais estilo meu caro.

- É verdade. Mas estamos em tempo de vacas magras.

Por alguns minutos o silêncio se confundiu com a noite. Apenas o barulho do gelo se desmanchando no álcool. Se podia ouvir até mesmo a fumaça dos cigarros tocando o teto.

- “Vai tomar todos esses comprimidos ai sobre a sua mesa?”

- Não minha querida, só o suficiente para evitar que eu tome todos de uma só vez. Você sabe muito bem por que preciso deles.
Ela nem sequer ficou constrangida. Apenas tomou um demorado gole, sorriu da forma mais sarcástica possível e respondeu:

- “Sim. É por minha culpa. Você já conseguiu me expulsar daqui várias vezes. Porém, eu chego, bato a porta e você sempre me deixa entrar novamente. Diga-me agora: de quem mesmo é a culpa?”

- Sua desgraçada! Sabes que sem você não posso ser o que sou. Sabes que preciso da tua presença para pensar o mundo, filosofar, viver a poesia e a boemia.

- “Sei meu amado. E se te deixo às vezes é apenas para que não morra. Se você estiver morto terei que procurar outro aprendiz e você sabe o quanto é demorado para que alguém me aceite e veja que não sou uma bruxa velha como me desenham por aí. Sei que já tentou se livrar de mim, mas agora é tarde demais. Deus já deu teu lugar no céu para um macaco.”

- Você hein, sua safada. Sei muito bem que bate à porta de todos. Sempre há aqueles que como eu, por natureza ou castigo dos deuses, estão predispostos a te aceitar.

- “Ah, não seja tolo. Deixemos essa briguinha chata que sempre temos quando retorno. Permita-me ficar contigo essa noite.”

- Tudo bem. Mas somente esta noite. Depois vá e nunca mais volte.

- “Sim. Já conheço esse discurso também. Vamos lá relaxe. Vou servir nossos copos novamente.”

Ficamos ali sentados. Abraçados. E a noite continuava tão quieta que o pulsar acelerado e ansioso do meu coração assustou um sapo que dormia sobre a laje fria da calçada. O cigarro se apagou sozinho. Dormi sem sonho algum.

Ao amanhecer senti uma brisa fria sobre meus lábios. Ouvi passos lentos e o silêncio fúnebre já desaparecera. Levantei da cama com a destreza de um leão. Corri até a porta com o ânimo de um potro selvagem. A porta estava entreaberta. Contemplei o sol despindo-se da noite. Enquanto preparava o café olhei o horizonte e sem saber exatamente se sentia alegria ou tristeza com a sua partida, me despedi:

- Até mais querida Angústia. Até mais...

9.11.09

FILÓSOFO, BOÊMIO E POETA


Filosofo, boêmio e poeta.

Borbulha em meu peito
A pacata angústia da existência.
Titubeiam inúteis e frágeis interpretações
Do universo.
O lugar do cosmos
É o de sempre ou o de nunca mais?
Estático ou dinâmico?...
Por que saber,
Se o caos da persona
E a contingência da psique
Sempre em nada resulta
Para a compreensão do perdido self?
Filosofia e teorias antropológicas,
Tão inúteis quanto vãs teologias,
São apenas fragmentos
De angustiadas lamas intelectivas.
Almas que teimam no erro
De deixar as recônditas
profundezas do inconsciente.
“O inferno são os outros!”.
Que me resta então,
além das constantes contradições teóricas
e um mundo em Deus?
Resta o “SER” que criei...
Os dias que amei...
E os Outros...
Infernos que inventei.
Mas antes que a razão-instrumental
Torne-me vã e fútil figura patética,
Mergulharei ainda mais Em minhas filosofias,
Continuando a metamorfose
Desta boemia existência poética.

2.11.09

DIAS DOS MORTOS

O dia dos mortos terminara e sem saber ainda o porquê, segui cegamente para o meu quarto na noite escura de primavera. Não fui à missa nem ao cemitério. Não acendi velas nem fiz uma ou outra oração ao pé da grande cruz, pelos indigentes miseráveis nunca lembrados. Mas qual seria o sentido de lembrar um morto? Estaria ele sendo beneficiado de alguma forma com isso? Um dia a menos no inferno ou um chá das quatro como convidados de honra do “Todo Poderoso”?
Talvez as pessoas realizem todos estes rituais meticulosos apenas porque temem desesperadamente o seu dia final. Qual a vantagem? Por esta e tantas outras dúvidas é que decidi passar este dia ao lado dos vivos e, preferencialmente, vivendo o máximo possível. Perguntei-me se estava certo ou errado. Mas não decidi fazer algo que não me comprazia apenas por medo de ser castigado. Principalmente em se tratando de um castigo tão incerto. Fiz o que tinha certeza que me causaria felicidade e que não prejudicaria os vivos sejam eles grandiosos ou miseráveis alienados pela medíocre religião.